by Frank Krull
A concessionária de rede elétrica da Austrália do Sul, ElectraNet, precisa administrar mais de 50% de energia renovável em sua rede elétrica. Esse é um desafio difícil para a estabilidade da rede. Redes como essa precisam da inércia de turbinas de alta potência que podem superar instantaneamente quedas repentinas de frequência. Para evitar o risco de apagões, a ElectraNet equipou sua subestação de Robertstown com dois geradores com volantes de inércia de alta tecnologia, multiplicando assim a inércia do sistema.
Em Robertstown, sul da Austrália, que fica a 90 minutos de carro ao norte da cidade portuária de Adelaide, as pessoas gostam de falar que estão “no Fim do Mundo”. A paisagem de lá é realmente muito isolada, e é definida pelo contraste pitoresco entre terras agrícolas e uma região assolada pela seca que se estende ao longe. Há, no entanto, outra razão para promover a área como o “Fim do Mundo”. Isto é devido a uma reserva natural próxima, com o mesmo nome, que é muito popular entre os turistas.
Entretanto, Robertstown não pode reivindicar o título “Fim do Mundo” para si. Devido a expansão da implantação de parques solares e eólicos no sul da Austrália, o local se tornou uma central para o sistema de suprimento de energia elétrica da região. Além de uma subestação central, uma unidade está em operação aqui desde 30 de setembro deste ano. A alta proporção de eletricidade proveniente de fontes renováveis na rede elétrica da Austrália do Sul, que já ultrapassa 50% e continua aumentando, torna essa etapa essencial. “Robertstown é o local perfeito para a usina”, confirma Simon Emms, responsável pelos Serviços de Rede na equipe executiva da operadora de rede local, ElectraNet.
Se o fornecimento e a demanda por eletricidade não estiverem balanceados em uma rede CA – porque os produtores de eletricidade saem do mercado, ou novos consumidores de grande porte demandam mais eletricidade – a frequência da rede também cairá. Para garantir que a frequência real não se desvie significativamente do valor nominal de 50 Hz, mais eletricidade precisa ser injetada na rede o mais rápido possível para mitigar o risco de um apagão. Se a frequência cair abaixo de um determinado limite, partes da rede precisam ser desligadas para evitar danos aos geradores das usinas; essas quedas de frequência podem causar vibração excessiva, que danifica os equipamentos.
Como as usinas de energia a combustível fóssil estão sendo substituídas cada vez mais por parques solares e eólicos, as redes necessitam cada vez mais da inércia criada por grandes massas rotativas nos geradores e turbinas em usinas de energia alimentadas por combustível fóssil. “Essas massas rotativas são extremamente importantes no caso de uma queda na frequência”, explicou Peter Luijmers, da Siemens Energy, responsável pela construção da usina de estabilização de rede elétrica, em Robertstown. “Elas armazenam grandes quantidades de energia cinética - disponíveis o tempo todo, sem retardo, para cobrir as frações de segundos iniciais de uma queda de frequência. Isso retarda a queda de frequência por um tempo suficiente para alimentar mais eletricidade na rede, usando baterias, supercapacitores, motores a gás de partida rápida ou outras usinas de energia fóssil em stand-by para restaurar a frequência ao seu valor nominal.”
Os parques solares e eólicos não têm grandes massas que giram na frequência da rede e, portanto, não podem contribuir com inércia para estabilizar as redes. As concessionárias de rede elétrica, como a ElectraNet, cujos deveres também incluem a manutenção da estabilidade da rede, estão cientes desse problema e adotando medidas adequadas para contê-lo. Usando condensadores síncronos com volantes de inércia, as concessionárias podem restaurar a inércia perdida em suas redes elétricas. Este é o motivo da ampliação da subestação de Robertstown, onde foram instaladas duas dessas combinações.
A solução é óbvia. Condensadores síncronos têm sido usados há muito tempo para estabilizar redes de CA: são grandes geradores incorporados à rede elétrica, que giram na mesma frequência da rede. Embora não gerem corrente ativa, que poderia ser utilizada para operar equipamentos de ar-condicionado, plantas industriais ou para carregar smartphones, por exemplo, eles ainda têm um papel muito importante, pois ajudam a balancear o que é conhecido como corrente reativa. Essa corrente é uma característica das redes de corrente alternada, pois a corrente ativa é transmitida por meio de campos magnéticos gerados pela corrente reativa.
Devido as suas grandes massas rotativas, os próprios condensadores síncronos contribuem com uma quantidade razoável de inércia, entretanto muitas redes precisam de mais inércia. É aqui que entra a oportunidade de multiplicar a inércia, com a adição de volantes de inércia. Embora os volantes de inércia signifiquem que os condensadores síncronos precisam extrair mais corrente da rede para permanecer em rotação e desempenhar sua função, inovações nos últimos anos disponibilizaram soluções que consomem apenas o mínimo de energia. “Para nós, o consumo de eletricidade é um fator-chave na seleção de uma solução”, comentou Emms, da ElectraNet. “Cada kilowatt que economizamos conta para nós, tanto econômica, quanto ambientalmente.”
Os desenvolvedores da Siemens Energy garantiram que as perdas de energia para operar os volantes de inércia sejam mantidas no nível mais baixo possível. Os volantes de inércia usados em Robertstown giram em um ambiente de pressão negativa próxima a um vácuo perfeito. Isso reduz o calor por atrito e, portanto, as perdas de energia – que ocorreriam mesmo se uma superfície lisa como um espelho girasse no ar – da ordem de 90%. “Esse é o valor máximo que podemos alcançar apenas porque usamos vedações especiais no ponto em que o rotor do volante de inércia sai da carcaça de pressão negativa”, explicou Philipp Büttner, responsável pelo desenvolvimento de volantes de inércia da Siemens Energy, no Centro de Tecnologias para a Transição Energética na cidade de Mülheim, na Alemanha.
Ele e sua equipe também desenvolveram um sistema de resfriamento especial para os volantes de inércia, para dissipar o calor, de forma confiável, gerado pelo atrito que se desenvolve na superfície do volante de inércia mesmo em operação com pressão negativa. A solução é uma bainha externa resfriada com água, conectada ao sistema de resfriamento da usina. Ao contrário do resfriamento a ar, esse sistema não requer um mecanismo de emergência para garantir o resfriamento o tempo todo. Isso é especialmente importante no caso de uma falha de energia, onde o vácuo é quebrado e o calor por atrito aumenta abruptamente. Um sistema refrigerado a água como o usado com os volantes de inércia em Robertstown, compensa esse efeito devido a capacidade da água em absorver muito calor e amortecer mudanças repentinas de temperatura.
Mesmo com o sistema de refrigeração a água, os volantes de inércia de Mülheim ocupam uma área muito pequena graças ao projeto otimizado. Em Robertstown, cada um deles triplica a inércia dos condensadores síncronos. Com pouco menos do que seis metros de comprimento. O comprimento dos condensadores síncronos é quase o dobro disso. “Isso gera uma enorme quantidade de espaço na sala de máquinas que podemos usar melhor de outras maneiras”, disse Emms, da ElectraNet.
“Entretanto, nosso projeto também nos permite crescer com muita flexibilidade quando é necessária mais inércia”, acrescentou Büttner. “Atualmente, estamos construindo um volante de inércia com uma massa total de cerca de 180 toneladas métricas para a concessionária elétrica irlandesa ESB Networks, para ajudar a estabilizar a rede elétrica em Moneypoint, no sudoeste da Irlanda. Isto será um novo recorde mundial de volantes de inércia usados na estabilização de redes.”
Com os dois volantes em Robertstown, a ElectraNet atende seus requisitos de inércia no sul da Austrália, pelo menos por enquanto. Entretanto, se o número de parques solares e eólicos continuar a crescer tão rapidamente quanto nos últimos anos, eles certamente não serão os únicos, nem provavelmente serão os maiores.
22 de novembro de 2021
Frank Krull é físico e jornalista; trabalha na área de Comunicação da Siemens Energy.
Créditos combinados para imagem e vídeo: ElectraNet, Siemens Energy