by Christian Huettl
Antes do final de 2022, na Potsdamer Platz, em Berlim, na capital alemã, uma nova bomba de calor industrial de alta temperatura começará a fornecer ao sistema de aquecimento urbano da cidade calor com emissões net-zero. Trata-se de um projeto pioneiro na jornada da descarbonização do calor.
Com certeza, o nome “Qwark3” é peculiar. Na verdade, o nome é a sigla em alemão para “Quartiers-Wärme-Kraft-Kälte-Kopplung”, que em português se traduz como “Acoplamento de aquecimento, energia e resfriamento urbano”. Embora possa parecer complicado, Qwark é um projeto-piloto muito real e direto para descarbonizar o aquecimento no coração de Berlim.
Uma parceria entre a Vattenfall Wärme Berlin AG e a Siemens Energy, o Qwark3 pretende provar que é possível usar bombas de calor de grande escala para aquecimento urbano de uma maneira que não apenas ajude a atingir a meta de emissões net-zero de Berlim até 2050, mas que também faça sentido economicamente. Como? Basicamente utilizando de forma eficiente o calor residual, que de outra forma não seria utilizado, juntamente com a eletricidade de fontes 100% renováveis. Ele gerará calor livre de CO2 para a infraestrutura urbana em que estiver inserido. E o Qwark3 poderia ser um modelo para outras cidades? O Bundesministerium für Wirtschaft und Klimaschutz (Ministério Federal Alemão para Assuntos Econômicos e Proteção Climática) está buscando responder a esta pergunta e, para tanto, está financiando o projeto-piloto.
Veja como uma bomba de calor de grande escala é usada para aquecimento urbano em Berlim.
Sim, é apenas um quarteirão de prédios que pretende contribuir para as ambiciosas metas mundiais de descarbonização. Hoje, como a maioria dos países busca atingir emissões net-zero até meados do século, espera-se que a demanda por energia aumente significativamente ao mesmo tempo. Na UE, a meta é aumentar a eficiência energética em 32% e reduzir as emissões em 40% até 2030.
No entanto, por menor que o projeto em Berlim possa parecer, ele também leva a coisas maiores, na qual a descarbonização do calor é crucial para alcançar emissões net-zero. Atualmente, o calor representa cerca de metade do consumo total de energia na UE. Dois terços desse calor ainda é gerado por combustíveis fósseis. Ao mesmo tempo, cada vez mais usinas de energia movidas a combustíveis fósseis que geram calor estão sendo desligadas. Assim, a descarbonização do setor de aquecimento será inadvertidamente um componente-chave da transição energética.
E, sem surpresa, também merece um foco especial na indústria – e consequentemente, nas bombas de calor de escala industrial. Na UE, esta indústria representa um quarto do consumo de energia e 20% das emissões diretas. O calor é a energia mais proeminente, já que cerca de dois terços dele são utilizados nas indústrias de vidro, aço, química e papel.
As bombas de calor operam com base em um princípio de funcionamento simples: com uma certa quantidade de energia adicional – eletricidade, na maioria dos casos –, elas elevam a temperatura de uma fonte de calor de baixa temperatura para um nível utilizável no dissipador de calor ou no consumidor. Com isso, geram muito mais calor do que uma conversão direta de energia elétrica para calor.
Isso também mostra como as bombas de calor podem contribuir para a descarbonização. É um processo de duas etapas. Primeiro, o fornecimento de calor é tornado limpo usando eletricidade renovável, em vez de gerá-la com combustíveis fósseis. Em segundo lugar, esse acoplamento setorial de eletricidade limpa com calor é muito mais eficiente do que o aquecimento elétrico direto.
E esta tecnologia pode ser implantada em qualquer ambiente, pois as bombas de calor podem fazer uso de várias fontes de calor, tais como o calor residual industrial gerado por uma indústria química ou um data center, fontes de calor geotérmico, ar ambiente ou até mesmo rios e mar. Elas podem ser usadas em diversos contextos, como indústria, aquecimento urbano ou prédios individuais
Sem surpresa, é por isso que se espera que bombas de calor sejam implantadas em larga escala nos próximos anos, abrindo caminho para a eletrificação do setor de aquecimento. Atualmente, as bombas de calor na Europa são usadas principalmente em unidades menores para aquecer e resfriar edifícios. A maioria é limitada a uma faixa de temperatura abaixo de 90°C e deverá ser usada em uma base muito maior do que hoje. Na Alemanha, por exemplo, o Ministério Federal de Assuntos Econômicos e Proteção Climática espera que, até 2030, cerca de 5,5 milhões de bombas de calor sejam instaladas principalmente em edifícios individuais com cerca de 33 TWh, em comparação com os 7 TWh de hoje.
No entanto, desenvolvimentos recentes, especialmente novos refrigerantes, facilitaram novas aplicações de bombas de calor com temperaturas de até 150°C. São as chamadas bombas de calor de alta temperatura. Elas podem ajudar a indústria a capturar o calor residual e reutilizá-lo para fornecer água quente ou vapor para calor de processo. Na produção de vapor, esse limite de temperatura pode ser ainda maior, por exemplo, usando compressão de vapor. Essas bombas de calor também podem ser usadas para aquecimento urbano ou para elevar efetivamente os níveis de baixa temperatura das fontes de calor disponíveis ao nível do aquecimento urbano.
É aqui que entra o Qwark3. A bomba de calor de grande escala da Siemens Energy na Potsdamer Platz utiliza o calor residual de forma muito eficiente, atualizando e alimentando-o na rede de aquecimento da cidade. Mas em Berlim, onde não há nenhuma planta industrial clássica, de onde vem o calor residual?
Desde 1997, uma planta de refrigeração da Vattenfall Wärme Berlin situada perto da Potsdamer Platz fornece refrigeração para cerca de 12.000 escritórios, 1.000 unidades residenciais e inúmeras instituições culturais na área (Figura 2). Sua operação produz quantidades consideráveis de calor residual que até agora era dissipado no ar através de torres de resfriamento. Mas ao instalar uma bomba de calor de alta temperatura com capacidade térmica de até 8 MW, esse calor residual será aproveitado. A bomba de calor de grande escala fornecerá com flexibilidade temperaturas de fluxo entre 85 e 120°C, de acordo com a demanda na rede de aquecimento urbano.
O calor deve chegar a cerca de 55 GWh por ano, estimando-se uma economia anual de cerca de 6.500 toneladas de emissões de CO2 e 120.000 m3 de água de arrefecimento. É uma situação em que todos saem ganhando, pois a eficiência da estação de resfriamento melhora, ao mesmo tempo em que fornece calor limpo a Berlim por meio de eletricidade renovável. Além disso, é um dos primeiros testes para as bombas de calor de alta temperatura de grande escala em condições reais.
E a Siemens Energy está bem-posicionada para fornecer esse tipo de solução. Na área de bombas de calor industriais, a empresa oferece soluções com potências térmicas de até 70 MW a partir de uma unidade. A empresa também instalou muitas bombas de calor de grande porte nas décadas de 1980 e 1990, principalmente nos países escandinavos. Além disso, a contribuição vai além da mera entrega de hardware, pois a Siemens Energy oferece soluções turnkey completas, desde o projeto conceitual até a instalação, comissionamento e manutenção de grandes bombas de calor, usando seu próprio portfólio de compressores.
Berlim pode até ser a primeira a experimentar um projeto-piloto tão empolgante, mas não é a única buscando utilizar bombas de calor de alta temperatura em larga escala para aquecimento urbano. Na Alemanha, vários projetos de bombas de calor em larga escala buscam ativamente temperaturas de aquecimento urbano abaixo de 100°C. Além disso, fortes parcerias estão sendo formadas com o objetivo de ir além do aquecimento urbano. Por exemplo, a gigante química BASF se uniu à Siemens Energy para investigar como as bombas de calor de alta temperatura podem ser usadas para descarbonizar a geração de calor de processo em sua sede em Ludwigshafen, na Alemanha.
Com tudo isso em mente, é fácil perceber como esse modelo de uso de bombas de calor de alta temperatura em larga escala pode, e deve, ser amplamente adotado. Como em qualquer transição, é claro, existem ressalvas. A demanda por aquecimento urbano é obviamente maior no inverno e menor no verão. Para equilibrar isso, diferentes soluções são possíveis. Por exemplo, pode-se considerar a conexão do aquecimento urbano com a demanda mais estável de calor industrial (que é viável devido às bombas de calor de alta temperatura), ou o armazenamento para combinar o fornecimento de calor com a demanda. Independentemente desses fatores, no caso de Berlim e de outros projetos-piloto, a economia líquida em emissões de CO2 ainda é alta o suficiente para justificar o esforço. E, com base nos cálculos, também se torna lucrativa em poucos anos.
Outra preocupação importante: se, conforme o esperado, mais bombas de calor grandes e pequenas forem instaladas, a demanda geral de eletricidade aumentará. Isso certamente representaria um desafio triplo: 1) a energia deve vir de fontes renováveis para garantir a mudança necessária para a descarbonização do calor: 2) como as energias renováveis são uma fonte flutuante de energia, soluções de armazenamento de energia, bem como usinas movidas a combustíveis limpos que protegem a carga de base precisam estar implantadas; e 3) à medida que mais eletricidade é consumida, os serviços de estabilidade de rede precisam estar presentes, independentemente de serem estabilizadores rotativos de rede ou controles inteligentes para a distribuição de energia.
Por fim, as bombas de calor de alta temperatura de grande escala ainda estão em desvantagem econômica em comparação aos sistemas tradicionais a gás. Mas isso deve mudar, especialmente com o aumento dos preços do CO2. E essa não é a única ferramenta disponível. Na Alemanha, por exemplo, a sobretaxa para os consumidores de eletricidade deve ser eliminada. Embora a sobretaxa tenha sido inicialmente implementada com o objetivo de financiar a geração de energia renovável, ela pode se tornar obsoleta em breve, pois as bombas de calor se amortizam em poucos anos.
Em resumo, o Qwark3 tem muito a oferecer. Como um modelo para o futuro, ele mostra como as bombas de calor de grande escala podem minimizar o calor desperdiçado no meio ambiente, aumentando assim a eficiência geral de todo o sistema. Como será visto na Potsdamer Platz, ele também permite a integração inteligente de aquecimento e resfriamento. E a melhor parte: é apenas uma das muitas maneiras pelas quais as bombas de calor industriais podem ajudar no avanço rumo a um futuro descarbonizado.
Julho de 2022
Dr. Christian Huettl é Business Owner da Industrial Heat Pump Solutions na Siemens Energy Global GmbH & Co. KG na Alemanha.
Créditos de imagem e vídeo conjuntos: Siemens Energy e Vattenfall Wärme Berlin.